A referida lenda é própria do município de Jacareí, onde dois personagens travam, entre si, uma “batalha”; sendo eles: a Cobra Grande e Nossa Senhora da Conceição. Na lenda, a Cobra devora as barrancas do rio e tudo aquilo que dali se aproxima, incluindo seres humanos. A lenda atribui as constantes enchentes ao ser mitológico da Cobra e, na medida em que as enchentes ameaçam, inclusive, a igreja matriz, a lenda passa a ser também um conceito espiritual, onde, apenas a Virgem Maria poderia deter as forças bestiais da Cobra. Na lenda, aconteceram duas manifestações religiosas, uma da Igreja oficial e outra por parte dos escravos, enquanto iniciativa própria.
Os escravos (escravizados, segundo o termo politicamente correto), entenderam que, ao lançarem uma imagem de Nossa Senhora da Conceição às águas do rio, a Cobra seria amançada, e foi o que aconteceu, pois a Nobre Senhora cantou para a Cobra, colocando-a num estado de profundo sono e a levou para longe. A própria Senhora, ao ficar cansada, adormeceu nas águas, na altura do que é hoje a cidade de Aparecida e, assim, adormecida, foi encontrada pelos pescadores, dando origem à história de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Algumas vertentes de pesquisadores de Cultura Popular Brasileira, associa a imagem encontrada ao Orixá Oxum, sincreticamente ligada à Nossa Senhora, mas isto é uma outra história!
O tema foi elaborado com a técnica de Empapelamento, que consiste em aplicar camadas de papel cartão ou papelão, com o uso de dois tipos de cola, a quente e a frio, e recobertos com camadas de papel fino, embebidos em cola fria, criando assim uma textura e consistência. Após a aplicação das camadas de papel, a estrutura recebe uma camada de massa acrílica, depois uma base de cor terrosa para, em seguida, receber as cores e vernizes. Podemos dizer que a técnica de Empapelamento sobre tela painel, possui várias etapas, sendo elas: Desenho sobre a tela; desenho sobre o papelão; recorte do papelão; colagem das partes recortadas; revestimento com papel fino; aplicação de massa acrílica; aplicação de base de tinta; aplicação das cores; aplicação dos vernizes e acabamentos. Temos aqui, uma obra que passou por dez estágios diferentes antes do que se vê na obra pronta.
A técnica de Empapelamento, faz parte da Cultura Popular do Vale do Paraíba, sendo encontrada também em outras regiões do Brasil. Trata-se de uma técnica muito usada na construção dos “cabeções” dos bonecos que saem nos Carnavais e Festas Populares. Optei por ela por agregar dois aspectos, sendo um a de técnica popular muito usada e outra por associar-se indiretamente à produção de celulose e papel em nosso município, há décadas, sendo assim, algo que nos diz respeito.
São muitas as texturas que se apresentam na obra. Texturas deixadas pelo papel amassado e colado; texturas da massa acrílica; texturas das tintas e dos vernizes. “Para mim, elas representam o tempo. O tempo que mistura fatos e lendas, acontecimentos e imaginações, o popular e o sagrado. Todas as texturas que estão na obra, são propositais, fazem parte da narrativa da lenda!” As cores: As cores são quase puras, tais como as que vemos nas festividades populares, onde a COR representa a força da Vida e a alegria de comemorar, festejar e lembrar.
Muitos são os símbolos usados na obra, onde todos possuem significados, dentro e fora da cultura popular. As estrelas representam a esperança; As flores representam as bençãos; As folhas representam a renovação; Os peixes representam a abundância; A lua representa o tempo e as fases da vida; As espirais representam o caos e a destruição; As bandeirinhas representam a comemoração do milagre realizado pela santa.
Na primeira tela, onde se vê a letra “C”, que remete à palavra COBRA, as águas estão revoltas, caóticas, engolindo casas e pessoas e, quase, engolindo a própria igreja matriz. As forças do “mal” varrem do céu a esperança e tudo parece se perder nas águas da serpente maligna. Na segunda tela, a imagem de Nossa Senhora da Conceição é apresentada ao rio, para em seguida, nele ser jogada. Um casal de pessoas brancas e outro de pessoas pretas, se unem em defesa da Villa, expressando ali suas devoções. A imagem da santa, que aqui é representada grande, faz com que surjam, no céu, a esperança. Nos braços que se entrecruzam ao segurar a santa, fica representada a Ordem de São Francisco, onde encontramos o braço do Cristo e o braço do homem Francisco. Na terceira tela, a Senhora da Conceição acalma as águas, acalma a Cobra e tudo vai ficando mais leve e a luz aparece e ilumina o centro do painel. Na quarta tela, o Rio segue o seu curso e pessoas, ao saberem do milagre que venceu a Cobra, saem de suas casas para comentarem e comemorarem o ocorrido.
O milagre vai percorrendo as cidades e o medo vai sumindo com as cantorias da Virgem da Conceição. Folhas, flores e bandeirinhas, atestam as festas comemorativas do grande feito da santa. Na quinta tela, o maior milagre aparece. Aparece na figura de uma imagem de barro, daquela mesma santa que foi jogada no rio, na cidade de Jacarehy. Ali, naquele porto Itaguaçu, ela deixa de ser a salvadora da Villa de Nossa Senhora da Conceição de Jacarehy, para ser tornar, anos depois, a Padroeira do Brasil!
Da primeira tela até a última, pode-se perceber a aridez da terra, representando o medo e a destruição. Na primeira tela, a terra está revolta e inundada, tomada pela fúria da Cobra; na segunda, aparece como uma terra lavada e sem vegetação; na terceira vê-se apenas ao longe, numa margem distante; na quarta temos uma terra mais verdejante e florida e por fim, na quinta tela, temos um solo tomado por folhas renovadas e aquecidas pelo sol.
Existe uma linha que interliga todas as telas, é uma linha verde, ora fina, ora larga, que representa a Serra da Mantiqueira, denominada por DEBRET de “Montanhas Azuis”. Coloco a Virgem da Conceição na Garganta do “EMBAÚ”, que é uma espécie de “passagem” existente na Serra da Mantiqueira, que serviu de meio de comunicação entre o litoral e as terras das Geraes. Pela “Garganta do Embaú”, passaram muitos povos indígenas há centenas de anos, mesmo antes da chegada dos portugueses, por ali passaram Bandeirantes, Tropeiros, Mineiros e, até mesmo, os Revolucionários de 1932. Coloquei Nossa Senhora da Conceição, no lugar histórico mais importante da Serra da Mantiqueira.
A estética que adotei para representar Nossa Senhora da Conceição, foi a estética “PAULISTINHA”, onde os santos são representados de modo muito simples, com roupagens retas e feições singelas. Essas imagens foram muito comuns ao Vale do Paraíba paulista dos séculos 18, 19 e 20. As Figureiras de Taubaté, criaram uma imagem de Nossa Senhora das Flores e eu a representei aqui, colocando ao redor da santa, um circulo de flores, representando sua doçura e suas graças.
Esse painel deve ser “lido” da direita para a esquerda. Foi pensado assim, pois seu lugar de exposição será uma parede que dá acesso à capela do hospital e, semelhante aos alfabetos do médio oriente, a leitura é contrária ao nosso habitual modo de ler e é aqui, neste jeito diferente de ler, que apresento uma outra versão da obra “Cobra Grande”.
Mesclado à lenda, coloco aqui, na obra, algumas referências contidas no Livro do Apocalipse, pois existem semelhanças entre a lenda e o texto sagrado. Apocalipse 12 1 Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. 2 Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias de dar à luz. NA TELA CENTRAL, ELA É ASSIM REPRESENTADA. 3 Depois apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, e nas cabeças sete coroas. 4 Varria com sua cauda uma terça parte das estrelas do céu, e as atirou à terra. Esse Dragão deteve-se diante da Mulher que estava para dar à luz, a fim de que, quando ela desse à luz, lhe devorasse o filho. NA PRIMEIRA TELA, SURGE A COBRA VERMELHA, CUJO SOPRO SIBILAR, VARRE AS ESTRELAS DO CÉU. 5 Ela deu à luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações pagãs com cetro de ferro. Mas seu Filho foi arrebatado para junto de Deus e do seu trono. 6 A Mulher fugiu então para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um retiro para aí ser sustentada por mil duzentos e sessenta dias.
NO CASO DA NOSSA LENDA, A MULHER REPOUSA PARA PODER SER ENCONTRADA PELOS PESCADORES. É RETIDADA DAS ÁGUAS, VOMITADAS PELO DRAGÃO. 7 Houve uma batalha no céu. Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão. O Dragão e seus anjos travaram combate, 8 mas não prevaleceram. E já não houve lugar no céu para eles. 9 Foi então precipitado o grande Dragão, a primitiva Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado na terra, e com ele os seus anjos. 10 Eu ouvi no céu uma voz forte que dizia: Agora chegou a salvação, o poder e a realeza de nosso Deus, assim como a autoridade de seu Cristo, porque foi precipitado o acusador de nossos irmãos, que os acusava, dia e noite, diante do nosso Deus.
NA OBRA, OS SIMBOLOS QUE ESTÃO NO ALTO DAS TELAS, FALAM SOBRE O TEXTO DO APOCALIPSE. 11 Mas estes venceram-no por causa do sangue do Cordeiro e de seu eloqüente testemunho. Desprezaram a vida até aceitar a morte. 12 Por isso alegrai-vos, ó céus, e todos que aí habitais. Mas, ó terra e mar, cuidado! Porque o Demônio desceu para vós, cheio de grande ira, sabendo que pouco tempo lhe resta. 13 O Dragão, vendo que fora precipitado na terra, perseguiu a Mulher que dera à luz o Menino. 14 Mas à Mulher foram dadas duas asas de grande águia, a fim de voar para o deserto, para o lugar de seu retiro, onde é alimentada por um tempo, dois tempos e a metade de um tempo, fora do alcance da cabeça da Serpente. 15 A Serpente vomitou contra a Mulher um rio de água, para fazê-la submergir.
AS ENCHENTES DO CAOS, ENCONTRADAS NA LENDA. 16 A terra, porém, acudiu à Mulher, abrindo a boca para engolir o rio que o Dragão vomitara.
QUANDO A MULHER VENCE O DRAGÃO, A TERRA A ACODE E FLORESCE. 17 Este, então, se irritou contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus.
NA PRIMEIRA TELA, AS ENCHENTES REPRESENTAM A FÚRIA DA BESTA CONTRA OS FILHOS DA MULHER. 18 E ele se estabeleceu na praia.
NA ÚLTIMA TELA, ESTÁ O SOL, AQUELE QUE SE ESTABELECEU SOBRE A TERRA, O SENHOR DO MUNDO, O FILHO NASCIDO DA MULHER.
Magela Borbagatto. Mestre da Cultura Popular Brasileira MinC 2013 - Jacareí/2023.
Das 9h00 às 21h00*
*CLIQUE AQUI para mais informações
UTI Adulto: 10h30 e das 20h às 20h30
UTI Pediátrica: 3ª e 6ª f. das 16h às 16h30
UTI Neonatal: 2ª f. das 15h30 às 16h
*CLIQUE AQUI para mais informações